Visita a Auschwitz, por Ban Ki-moon

“Pensei nos prisioneiros, horas em pé, nus, num clima gelado, arrancados de suas famílias, de cabelos rapados esperando as câmaras de gás.” Leia o artigo do secretário-geral da ONU.

Ban Ki-moon em visita ao antigo campo de concentração nazista na Polônia, Auschwitz-Birkenau, em novembro de 2013. Foto: ONU/Evan Schneider
Ban Ki-moon em visita ao antigo campo de concentração nazista na Polônia, Auschwitz-Birkenau, em novembro de 2013. Foto: ONU/Evan Schneider

A lembrança do Dia Internacional em Memória das Vítimas do Holocausto em 27 de janeiro — o aniversário da libertação do campo de concentração de Auschwitz — acontece em um momento no qual, à nossa volta, há alertas para os perigos do esquecimento.

Neste ano, assinalam-se duas décadas desde o genocídio em Ruanda. Conflitos na Síria, Sudão do Sul e República Centro-Africana assumiram uma dimensão perigosa. O fanatismo ainda percorre nossas sociedades. O mundo pode e deve fazer mais para eliminar o veneno que levou aos campos de concentração.

Visitei Auschwitz-Birkenau em novembro. Um vento frio soprava naquele dia, o chão sob os meus pés era rochoso. Mas eu tinha um sobretudo e sapatos resistentes. Meus pensamentos foram para aqueles que não tinham nem uma coisa nem outra: os judeus e outros prisioneiros que outrora povoaram o campo.

Pensei naqueles prisioneiros passando horas em pé, nus, num clima gelado, arrancados de suas famílias, seus cabelos rapados ao serem preparados para as câmaras de gás. Pensei naqueles que foram mantidos vivos apenas para trabalhar até a morte. Refleti sobre o quão insondável ainda é o Holocausto. A crueldade foi tão profunda, a visão de mundo nazista tão deformada, a mortandade tão calculada.

O campo de Birkenau parecia estender-se até o horizonte –uma vasta fábrica de morte. O Livro dos Nomes com a identificação de milhões de vítimas judias enchia uma sala, ainda que contivesse apenas uma fração do total, que também incluiu poloneses, ciganos, sinti, soviéticos, dissidentes, homossexuais, pessoas com deficiência e outros.

Fiquei comovido com um vídeo mostrando a vida dos judeus na Europa em 1930 –refeições em família, idas à praia, performances artísticas, casamentos e outros rituais, todos barbaramente extintos com o único assassínio sistemático na história.

Não podemos construir o futuro sem lembrar o passado. O que aconteceu pode se repetir. Combater o ódio está entre as principais missões da ONU. Nossos mecanismos trabalham para proteger as pessoas. Nossos tribunais esforçam-se para combater fazer justiça. Nossos especialistas escrutinam o mundo para detectar indícios de crimes atrozes.

O programa das Nações Unidas sobre o Holocausto vem trabalhando com professores e alunos de todos os continentes para promover os valores universais. Seu mais recente pacote ajudará a introduzir estudos nas salas de aula de países como Brasil, Nigéria, Rússia e Japão.

A poucos passos do crematório de Auschwitz, parei para refletir. Toquei numa cerca de arame farpado –já não eletrificada, mas ainda afiada e intimidante. Senti-me esmagado pela enormidade do que aconteceu e profundamente tocado pela coragem e sacrifício dos soldados e líderes que derrotaram a ameaça nazista.

Minha esperança é que a nossa geração e as que virão evitem que tal horror volte a acontecer, e construam um mundo de igualdade para todos.

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BAN KI-MOON, 69, é secretário-geral da ONU (Organização das Nações Unidas). Foi ministro das Relações Exteriores e do Comércio da Coreia do Sul. Artigo publicado na Folha de S. Paulo no dia 27 de janeiro de 2014 (original aqui).

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